Vetor Entrevista: Bijoux Cone
- vetormagazine
- 3 de jun.
- 7 min de leitura
Bijoux Cone sobrevive através da sua música: Tecladista da banda Gossip, Bijoux Cone já lançou dois álbuns solo e está no meio de uma tour pelo Brasil, levando sua alegria queer e revolução punk com ela
Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan

Fotografia por Ana Vohs
São Paulo, 17h / Portland, 13h. Bijoux Cone esteve no Brasil em janeiro, para sua cirurgia de readequação sexual, e, durante aquele período, ela pôde assistir a um show de Star Amerasu. Quando nos sentamos para nossa entrevista, nossa admiração por Star transborda e começamos com uns momentos de fangirling - nos quais um dos pilares da arte de Cone está claro: a força que ela ganha só de assistir pessoas queer, e mais especificamente outra mulher trans, realmente se expressar completamente.
"Me traz a alegria e a inspiração que preciso para me manter centrada no meu próprio caminho", ela explica, me contando que ela foi assistir ao show de Star enquanto ainda estava se recuperando, foi assim tão importante para ela.
Artista visual, tecladista para a banda Gossip, baixista e cantora no duo The Mommys, artista solo, compositora e muito mais, Bijoux Cone é uma musicista trans baseada em Portland, cujo som tem raízes em sua própria distorção. Com dois álbuns solos já lançados, "Magnetism” e "Love Is Trash", ela usou sua música para surfar as ondas de suas próprias emoções, mas, se recusou a escolher só um som.
Enquanto em "Magnetism", Bijoux mergulha de cabeça em um som de rock mais voltado aos sintetizadores, com letras emocionais e efeitos de distorção em sua voz, "Love Is Trash” traz à tona um lado diferente dela, criando um projeto que é quase fruto de uma banda de uma mulher só, cantando sobre novos tópicos, especialmente relacionados a sua transição.
“Eu tenho tanta disforia vocal que gastei tempo tocando 'Love Is Trash’ em um gravador de fitas, mais rápido, só para estar mais agudo - mas, daí, só soava como um esquilo [...] Então, eu fiz ser ainda mais grave, porque isso me trouxe ainda mais poder, se tornou algo diferente de mim mesma, do meu conceito do que é uma voz, agora é só estranho".
Fica claro, ao longo de nossa conversa, que “estranho” é um dos maiores descritivos do projeto Bijoux Cone. Se dedicando a criar música que é honesta e genuína, a artista cria seu próprio universo, onde ela é a cantora, compositora e produtora de tudo aquilo que ela precisa transmitir.

Fotografia por Ana Vohs
“NA ALEGRIA DE CRIAR”
Crescendo entre várias casas, Bijoux me conta que passou a maior parte de sua infância com seus avós, super religiosos. E, enquanto essas talvez não sejam as condições ideais para uma criança queer, a igreja foi onde ela descobriu seu amor pela música. Sua avó era pianista na igreja que eles frequentavam, e Bijoux rapidamente seguiu seus passos.
"Para crianças, elas tem tipo três coisas que elas amam mesmo, e, para mim, eu realmente só amava tocar piano” - ela descreve esse momento de sua infância como um de aprendizado e descoberta de seu primeiro amor, mas, também conta que nunca se tornou "treinada no tipo mais formal da coisa”.
Escolhendo se formar em artes visuais, Bijoux Cone nunca desistiu de seu amor pela música, pelo contrário, na verdade, ela só conectou duas de suas paixões. “Eu comprava máquinas velhas de fita, fazia instalações e colava elas no teto. Era tudo música de coral, eu pendurava tipo 50 tocadores e cantava em cada um deles - e você ouvia minha voz de todos os lados”, ela me conta, realmente construindo a fundação de sua música solo: a auto-expressão.
Em seus álbuns, Bijoux conta a história do que ela estava passando durante o processo de gravação, realmente centralizando a sua música e a transformando em uma ferramenta narrativa para suas próprias experiências. Com isso, ela conta que “em algum momento, eu percebi que as coisas não precisam ser boas”, valorizando mais o processo de criação.
“Para mim, o processo de criar e ouvir algo é mais empolgante que terminar alguma música. Eu amo o processo de criar coisas, e minha relação com minha música é baseada nessa alegria de criar".
Dizendo que "minha experiência com a música vem toda de experimentação”, Bijou e eu começamos a falar sobre uma parte importante de sua música: o sintetizador. Eu a perguntei sobre isso, especificamente. O instrumento está presente em quase todas suas faixas e seus sons inorgânicos rapidamente viram a âncora que conecta os dois álbuns solos que ela lançou até hoje.
"Tocar o sintetizador é um fetiche”, ela diz, "mas, eu não queria que minha música soasse como as músicas dos anos 80, eu estava mais interessada nos sons texturais que eu poderia criar com ele".
A história do sintetizador sempre esteve conectada com a comunidade trans. Desde pioneiras como Wendy Carlos, amplamente creditada como uma das primeiras artistas a usar o sintetizador como um instrumento, o sintetizador, e música "sintética" conectou uma multitude de pessoas trans - e Bijoux é uma dessas, citando a pioneira da música industrial Genesis P-Orridge como uma de suas maiores influência.
“Genesis é muito sensível, muito agressiva, é tipo, é esse o som de estar sendo perseguida”, Bijoux Cone explica: “Eu vi ela recitar poesia uma vez e isso realmente me mudou, foi no comecinho da minha transição, era algo que eu sabia desde sempre, mas, minha luta contra minha própria coragem demorou um pouco”.

Fotografia por Ana Vohs
“TEM TANTAS FORMAS DE CONTAR NOSSAS HISTÓRIAS”
Com dois álbuns solos, Bijoux está criando seu terceiro, me contando que esse novo vai ser "muito mais intenso”, mas que “a música vai ser muito mais boate drogada, dark, mas, também bastante dance music dos anos 90”, sonoridade ainda não explorada por ela.
O novo álbum também tem como seu foco as experiências mais conflituosas que ela teve enquanto viajando e sendo uma mulher visivelmente trans, e, também suas experiências com trabalho sexual. “Puxei dinheiro de muitas fontes para pagar pela minha última cirurgia, e fiz muito trabalho sexual para isso também, então estou escrevendo músicas sobre isso”, ela diz, acrescentando que esse álbum é "menos um diário, mais um diálogo”.
Antes, em "Magnetism” e "Love Is Trash", Bijoux realmente via sua música como um diário. Em seu primeiro álbum, a artista escreveu músicas para lidar com um divórcio, e também para lidar com seu novo diagnóstico como uma pessoa intersexo, depois de anos sendo diagnosticada com bipolaridade. A música fala sobre isso, com sua composição tentando desempacotar o fato de que várias de suas dificuldades psicológicas vinham do fato de seus hormônios "não estarem em um estado harmonioso”, o que mudou após começar a sua hormonioterapia.
Em "Love Is Trash", no entanto, suas fontes de inspiração foram bem mais diversas. Já existindo como uma mulher trans assumida, o álbum nasceu do luto, "muito dele foi dizendo adeus para pessoas”. Me contando sobre seu exílio de sua família e sobre não se sentir bem-vinda no funeral de seus pais, Bijoux conta uma história que muitas pessoas queer conhecem.
Também, aquele álbum fala sobre apagamento e suas experiências com homens durante sua transição. “Estar com homens no armário e sempre ser o segredo, nunca a namorada, isto é algo que está no álbum inteiro”, ela diz, explicando um pouco o título.
“Muito de 'Magnetism’ veio de novas descobertas e do meu caos interno, mas, o mundo estava me tratando okay antes da transição. Durante tudo aquilo, no entanto, eu estava pensando como o mundo vai me tratar se eu transicionar e me sentir bem por dentro, mas, quando eu realmente transicionei, não podia me importar menos. Esses álbuns contam minha relação com esse processo".
Valorizando sua posição como uma compositora trans, Bijoux me conta que a música foi sempre a maneira que ela se conectou com pessoas da comunidade queer, que, agora, se tornaram sua família real. Equipada com seu conhecimento musical e com o que ela quer falar, Cone explica que sua música é totalmente sua auto-expressão.
“Catarse emocional é uma das minhas coisas favoritas sobre arte, e me sinto muito mais comunicativa quando falo através da música, do que falando mesmo, tipo, eu posso te mostrar como me sinto”.

Fotografia por Ana Vohs
“NÃO É SÓ SOBRE CRIAR, É SOBRE SOBREVIVER”
Em 2023, Bijoux teve a oportunidade de fazer uma audição para tocar teclado para a banda Gossip. Mesmo achando que não iria ser selecionada, ela foi escolhida para estar na banda ao vivo - e agora, ela já viajou o mundo em turnês com eles, tocando grandes festivais, como o C6, no Brasil, e Glastonbury, no Reino Unido.
Sobre essas experiências, além de seu próprio prazer, Bijoux Cone me conta que elas tendem a significar muito para ela porque "você pode sentir o orgulho queer das pessoas realmente transbordar, ter todas essas queens no front gritando”. Falando sobre seu amor por performar, a artista conecta isso a seu próprio orgulho e senso de comunidade.
“Esse conceito de orgulho, de compartilhar algo, da catarse na música, é tão importante. Grande, pequeno, na TV, no rádio, você pode realmente ouvi-lo. É lindo".
Para Bijoux, se apresentar é se conectar com uma plateia e se conectar com todos que fazem parte daquele momento. Dizendo que não importa se é um grande festival ou "12 pessoas em um armazém", as suas experiências ao vivo são uma busca por conexão.
“Eu sei o quão importante é sentir que as pessoas entendem as coisas que você está fazendo. Não é só sobre fazer algo, é sobre sobreviver e sobre compartilhar trauma, e também é só uma celebração”, ela explica quando eu pergunto sobre como é criar uma comunidade centralizada em sua música, me contando que essas são as pessoas que ela ama encontrar em todos os shows de suas turnês.
Numa era em que os direitos de pessoas queer, e especialmente pessoas trans, parecem sempre em perigo, Bijoux destaca a importância de desenvolver comunidades.
Falando sobre seus planos para o futuro, ela me conta uma de suas ideias: tasers cobertos de lantejoulas, com um código de download para seu novo single, "porque tudo é assustador hoje em dia”. Logo mais, ela vai estar em turnê pelo sul dos Estados Unidos, região conhecida pelos seus valores conservadores, e ela realmente quer ser um farol de esperança, alegria e revolução, nos corações das pessoas queer por lá.
“Esse país [Estados Unidos] virou de ponta a cabeça e é uma maluquice - então, acho que esses momentos de alegria sustentam nosso desejo de continuar, nosso desejo de seguir em frente, na direção de nossos sonhos, nosso desejo de cuidar de nós mesmos".
Bijoux Cone está em turnê pelo Brasil, você pode conferir suas datas abaixo!
30/5: Jundiaí, SP - SESC JUNDIAÍ
31/5: Santa Cecilia, SP - Boto Eléctrico
5/6: Uberaba, MG - Lab 96
6/6: Goiânia, GO - Shiva Alt Bar
7/6: Brasília, DF - Infinu
12/6: Casa Rockambole - São Paulo (com Catto)
13/6: Sorocaba, SP - Asteroid Bar
14/6: Porto Alegre, RS - Casa Trama


