Vetor Entrevista: Getúlio Abelha
- vetormagazine
- 14 de ago.
- 5 min de leitura
Getúlio Abelha faz sua própria “AUTÓPSIA” em novo disco: Eleito um dos melhores discos do ano pela APCA, “AUTÓPSIA” apresenta um lado mais interno e obscuro de Getúlio, mas, sem nunca esquecer de suas raízes
Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan

Fotografia por Luan Martins
São Paulo, 15h. Getúlio Abelha, 33, é um daqueles nomes que, quando você começa a explorar a música brasileira contemporânea, é impossível de ignorar. Nascido no Piauí, Abelha construiu um estilo musical que é completamente seu - mesclando suas referências culturais tendo crescido no Nordeste, com aspectos da cultura queer, como o ballroom e a música eletrônica underground.
Quando sentei para entrevistar Getúlio, São Paulo - cidade na qual o artista mora há três anos - passava por uma forte chuva. Por entre os trovões e a instabilidade digital que o clima paulistano às vezes traz, falamos sobre seu mais novo disco, “AUTÓPSIA”, sua carreira até aqui e o que o motiva a manter o forró sempre como centro de sua arte.
“Quando eu trouxe essa vibe mais latina [sobre "Freak"], eu imaginei que seria um jeito de trazer um ancestral do forró para minha música - e ainda assim estar falando sobre forró. Sempre".
Trazendo “o ancestral do forró”, especialmente na faixa de abertura "Freak”, como a lambada, e a cumbia, além da eletrônica, e diversos ritmos brasileiros, abrindo espaço até para o funk, Abelha constrói esse disco, que foi eleito como um dos melhores álbuns brasileiros lançados no primeiro semestre, pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).
Com cinco faixas inéditas, “AUTÓPSIA” apresenta uma versão de Getúlio que está longe de ser um arquétipo - “Sinto que não tinha mais que falar por um coletivo LGBTQ+ nordestino, tinha que lidar com um lado mais mais obscuro, interno, meu”.

Fotografia por Luan Martins
“Ninguém dizia: ‘Olha, seja um grande rock star do forró’”
Artista desde novo, crescendo “nesse ambiente de bares, de música, de boteco, de confusão”, Getúlio Abelha queria, em primeiro momento, ser ator. Me contando que começou a estudar cinema e teatro, o cantor aponta que, para ele, o caminho das artes cênicas parecia mais “possível” que a música - “Pelo menos, existia minimamente um caminho ali”, diz ele.
“Na minha cabeça, ser ator era algo que era meio possível, mas, ninguém me dizia: ‘Olha, seja um grande rock star do forró’. Isso eu tive que descobrir sozinho, não tinha esse incentivo”.
Foi durante a faculdade de teatro que Getúlio sentiu que não poderia continuar mais sem a música. Fazendo uma peça na qual interpretava ícones pop, o artista decidiu que era isso que queria fazer - cantar, compor e performar. “Comecei cantando como ator, sabe? Eu não criava, era tudo performance. O ‘Marmota’ é bem teatral também por isso”, afirma ele sobre seu primeiro disco.
Lançado em 2021, com 12 faixas, o "Marmota” foi o primeiro projeto de Getúlio Abelha, mergulhado na cultura nordestina e na sonoridade da Fortaleza onde ele vivia. Escolhendo criar forró por seu apelo popular, Getúlio queria entrar em contato com as pessoas, não se auto cercear - "Sabia que eu conseguiria me manifestar politicamente mais através do forró. Se eu fizesse eletrônico, pop, eu ficaria só dentro da boate”.

Fotografia por Luan Martins
“Além disso, o forró foi o estilo que eu cresci. E não só o forró, assim, toda essa variação, né? Tudo que tem de musicalidade do Norte e Nordeste”.
Com seu primeiro disco, Getúlio conseguiu conquistar o Brasil, o clipe do single "Voguebike” foi até indicado a um Prêmio Multishow. E foi com tudo isso que o artista construiu sua persona como um dos grandes nomes do forró na comunidade LGBTQ+, além de uma promessa nordestina - no entanto, “AUTÓPSIA” chega para mostrar o que Getúlio Abelha é, para além disso.
“Acho importante isso não ser a principal coisa, até para mostrar para o mundo quão subjetivo e variável somos dentro da comunidade nordestina ou dentro da comunidade de LGBTQ+”.
“Me cansa pensar em ser conhecido por uma coisa só”

Fotografia por Luan Martins
“Agora, acho que estou trabalhando mais como um artista pop que mantém a levada de forró", me responde Getúlio quando pergunto, em sua visão, como “AUTÓPSIA” se enquadra. Apaixonado pela exploração e experimentação musical, Getúlio Abelha deseja sempre apresentar-se como algo diferente de antes, trazendo novas referências e influências sonoras.
“Estou utilizando esse segundo álbum para dizer às pessoas que definitivamente não dá para esperarem o que eu vou fazer daqui para frente, é muito mais sobre versatilidade total”.
“Me cansa pensar na possibilidade de eu ser conhecido por uma coisa só”, ele explica, afirmando que a mudança para São Paulo e as experiências dos anos entre "Marmota” e seu novo disco impossibilitaram que ele fizesse o mesmo som. Trazendo ritmos latinos, forró e até traçados do funk, Getúlio continua dramático, mas, dessa vez volta-se para dentro de si.

Fotografia por Luan Martins
Firmando parceria com o trio de funk paulistano Katy da Voz e as Abusadas na faixa “Engulo ou Cuspo”, “AUTÓPSIA” traz, em seu cerne, a revolta e a inundação de sentimentos que ele precisa externalizar assim que sobe ao palco - aspecto que Katy da Voz compartilha.
“Temos uma energia punk, não como estilo, mas sim transgressão corporal. Assim como ela, quando subo no palco, quero gritar muito, o máximo que eu puder. Não cabe a loucura que está dentro”.
“Se você não quer ser ref, você não quer ser underground”
Trazendo um visual diferente de tudo, uma imagem marcante e sombria, Getúlio Abelha une sua estética dramática a conceitos que abraçam seu público, os dando boas-vindas à sua própria dimensão. Agindo nesse espaço de criar universos, o artista constrói um mundo só seu desde seu primeiro disco, conseguindo bater o pé e se solidificar na cena atual.
“O underground é a base do futuro, o underground define para onde a cultura vai. Se você não quer ser ref, você não quer ser underground”.

Fotografia por Luan Martins
Atualmente, Getúlio Abelha encontra-se nesse espaço entre o underground e o mainstream, já tendo sido indicado e vencido grandes prêmios, mas também tendo se apresentado em muitas festas e eventos do underground. Olhando para a cena atual e o impacto dos artistas do underground no mundo afora, Abelha destaca a importância de abraçar sua posição nesse ambiente.
“Acho muito mais importante a gente se reconhecer e se respeitar e se aceitar enquanto underground do que ficar esperando que a grande mídia um dia valorize a gente”, aponta ele, finalizando nossa conversa: “Meio que engole isso ou então se adapta e vai ganhar o mainstream, sabe? E falo isso num sentido carinhoso”.


