Vetor Entrevista: Irmãs de Pau
- vetormagazine
- 23 de ago.
- 6 min de leitura
Do underground ao mainstream, a aura das Irmãs de Pau é inegável: Tendo lançado mais cedo neste ano seu disco "Gambiarra Chic, Pt. 2”, a dupla, formada por Vita Pereira e Isma Almeida, vai do funk ao dancehall em um manifesto à cultura periférica
Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan

Fotografia por Wallace Domingues
São Paulo, 13h. A influência das Irmãs de Pau na cena underground brasileira - e até no mainstream - é 100% inegável. A dupla formada pelas multi artistas travestis Isma Almeida e Vita Pereira é um fenômeno, unindo sua base inabalável de funk com diversas sonoridades que embalam a cultura da periferia paulista, na qual nasceram e cresceram.
Mesmo no meio da semana, sem a superprodução de um de seus shows, a aura de ambas é completamente única. Ao sentar com elas para conversar sobre o seu mais novo projeto juntas, o álbum "Gambiarra Chic, Pt. 2", suas raízes na cena, e, principalmente, a importância cultural do seu trabalho e sua pesquisa, Isma e Vita abrem-se com total orgulho do que fazem e estão para fazer.
“Nossa grande pesquisa apresenta as estéticas da putaria brasileira - é sobre o gozo, sobre a masculinidade, sobre gênero. Mas, a gente também está falando sobre amor, sobre o afeto que a gente quer destinado para a gente, e, além disso, sobre poder aquisitivo, poder cultural, capital cultural, capital financeiro", explica Pereira.

Fotografia por Wallace Domingues
Narrando as vivências de travestis periféricas pelo Brasil inteiro, as duas artistas conquistaram o mundo - apresentando-se na Europa, em festivais de grande porte e ao lado de estrelas da música, como Ludmilla e Pabllo Vittar. E isso tudo começou com um par de amigas da Zona Oeste de SP.
“Éramos as que mais viviam na realidade daquelas letras”
Minha primeira curiosidade em relação às Irmãs era o momento em que a música entrou no meio da amizade delas - e isso elas me explicaram logo que começamos a conversar. “Acho que a música desde o começo sempre fez parte, não em si produzindo música", aponta Isma sobre os primeiros encontros das duas: “A gente se encontrava para fumar maconha e a música era o que embalava tudo, sempre tinha uma caixinha e uma música ali de fundo”.
Afirmando que sempre estiveram juntas no momento de “ir para o baile, dançar e quebrar a noite inteira”, Isma afirma que o fogo daquilo que se tornaria as Irmãs de Pau foi acendido muito antes de elas começarem a criar músicas autorais. “Sempre fomos muito fãs", ela diz, creditando nomes de travestis da música brasileira que as inspiraram e embalaram os primeiros momentos da dupla.
“Percebíamos que eu e a Vita éramos quem mais entendia e se conectava com o trabalho da Linn [da Quebrada], da Jup [do Bairro], da Ventura [Profana]. Éramos as que mais viviam na realidade do que aquelas letras estavam falando”, relata Isma.

Fotografia por Wallace Domingues
Aos poucos, ambas decidiram abraçar a música de seu próprio jeito. Tanto Isma e Vita criaram projetos de DJ e foram expandindo-se na cena underground daquele momento, abraçando novas formas de arte também - por exemplo, em 2018, Vita fundou o coletivo Travada, em Araraquara, que atua em diversos âmbitos artísticos e culturais até hoje, enquanto Isma criou o Baile da Cuceta, em Uberlândia, juntando o funk e o dancehall, sonoridade também presente no novo disco das Irmãs.
Como acontece muitas vezes na vida, o destino uniu as duas novamente, com Vita inclusive dirigindo o primeiro clipe do projeto solo de Isma. E, na pandemia, após ambas finalizarem suas respectivas graduações, as Irmãs de Pau oficialmente nasceram, com uma necessidade musical inspirada por artistas como Alice Guel, Delacroix, além dos nomes citados anteriormente.
“Nossa travestilidade foi um grande ponto de encontro e a música underground brasileira foi o que encantou a gente”, aponta Vita Pereira, acrescentando: “O cenário underground, as festas que a gente ocupava, aquele momento histórico, tudo isso nos deu muito gás”.

Fotografia por Wallace Domingues
“Onde as travestis são muito valiosas”
Junto ao funk, ao dancehall, ao pop e à música eletrônica, o projeto das Irmãs de Pau também apresenta o mundo da ballroom brasileira para o grande público. “A gente está muito ligada em como trazer o vogue para o funk”, afirma Vita, dizendo que as balls ocupam um espaço representativo dentro das suas produções, com Isma creditando dois de seus hits “Shambaralai” e "Derretidas”, seu remix com Pabllo Vittar, como faixas enraizadas no vogue.
“Amo muito a ballroom, porque é um lugar onde as travestis são muito valiosas, são muito preciosas. Somos colocadas num lugar de destaque, de poder mesmo”, aponta Vita.
A primeira vez que vi as Irmãs de Pau ao vivo foi em uma ball em Campinas, em 2022, na qual entraram na Casa de Odara - e desde então, a presença dos elementos da ballroom no trabalho da dupla sempre foi algo que me brilhou os olhos. “A gente fica muito feliz de poder contribuir com a música, mesmo que eu não seja aquela femme queen que entra na roda e arrasa”, diz Isma: “Em todos os álbuns, a gente se preocupa em colocar elementos da cultura ballroom”.

Fotografia por Wallace Domingues
E em "Gambiarra Chic, Pt. 2” não é diferente, com destaque para a faixa “Três Espiãs Demais”, com participação de Tasha Kaiala, sua coreógrafa e parte do balé oficial das Irmãs. Mother da House of Dengo, Tasha é um dos feats do novo álbum das Irmãs, trazendo sua experiência no vogue para o disco da dupla.
“Faz muito sentido a gente trabalhar com uma pessoa que é tão dedicada, uma pessoa que é tão a nossa cara, a gente se vê muito na Tasha”, afirma Vita.
Além da presença da ballroom, o disco das Irmãs de Pau é uma polidez da sua pesquisa, trazendo as estéticas da putaria em sua máxima capacidade, por cima de uma ampla variedade de ritmos e sonoridades. Exaltando suas raízes periféricas, o disco olha pra frente, reproduzindo a sua arte em seu potencial sem limites - que cresce a cada lançamento.
“O frescor a gente encontra na pista”
“Essas são as pessoas que já apoiavam e acreditavam na gente quando tudo era mato”, diz Vita, quando pergunto sobre a importância de trabalhar com produtores do underground, mesmo ao atingir o mainstream. Com a presença de nomes como DJ Dayeh, Brunoso, Cyberkills e FUSO!, o novo álbum das Irmãs de Pau é também uma mostra de que elas não esquecem de suas raízes.
“Não faz sentido a gente hoje, só porque tá maiorzinha, virar cara e só querer andar com grandão e esquecer quem está com a gente desde o começo", afirma Pereira: “Essas pessoas trazem a novidade. O frescor a gente encontra na pista - e muitos bebem dessa fonte”.

Fotografia por Wallace Domingues
A conexão das duas com o underground vai além do som, ela é política, além de ser “uma questão também de responsabilidade, de luta, de vida”, afirma Isma. No primeiro semestre, elas se apresentaram ao lado do trio Katy da Voz e as Abusadas, também formado por três multi artistas travestis, na Mamba Negra - e, desde então, as cinco tem feito parcerias e participações em diversos shows, como no Club Vittar, projeto de festas da drag queen Pabllo Vittar.
Essa presença da arte 100% travesti, com total autenticidade e visão, e cujo espaço tomado independe da tal da representatividade, é um dos pilares do projeto Irmãs de Pau. A criatividade das duas é o que mais brilha, conseguindo protagonizar uma narrativa sobre a cultura periférica, e criar uma sonoridade que é inegavelmente só delas - com o poder de uma extensa pesquisa por trás.
“A gente quer ser muito real com que a gente é mesmo, quer olhar para trás quando formos mais velhinhas e lembrar de fases da vida, ver os clipes e lembrar dos devaneios”, aponta Isma Almeida, com Vita Pereira finalizando: “Isso que encanta os nossos olhos, ter uma continuidade nessa pesquisa das estéticas da putaria, da masculinidade, da solidão, do afeto, desafiando o lugar que foi destinado para a gente”.

Fotografia por Wallace Domingues
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