Vetor Entrevista: BADSISTA
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BADSISTA fala sua própria língua em "CUTEBOYZ”: Apresentando-se pela primeira vez como pessoa transmasculina, o produtor e DJ veterano lança um EP que amplia sua sonoridade e lhe reapresenta para a cena da música
Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan

Fotografia por Victor Cazuza
São Paulo, 11h30 / Berlim, 16h30. Quando o produtor BADSISTA senta para falar comigo, ele está no meio de sua turnê pela Europa, mais especificamente em Berlim. Promovendo seu mais novo EP, "CUTEBOYZ", o artista passou por diversas cidades europeias tocando as novas músicas, isso depois de fazer o evento de audição aqui em São Paulo, sua cidade natal.
“Tem que ter uma bateria social babado", Rafa Andrade, nome por trás do projeto BADSISTA, afirma, rapidamente acrescentando, no entanto, que “tem sido muito legal a resposta da galera, estou curtindo esse momento também".
Com cinco faixas e produção completamente autoral, "CUTEBOYZ” é o mais novo lançamento de BADSISTA, produtor, DJ e vocalista que coleciona mais de uma década na cena da música eletrônica. Quando pergunto sobre seu legado, ele brinca: “Tá me chamando de maricona velha?", antes de cair na risada e concordar, apontando que “estou há muito tempo, já está dando até tempo de ver uma outra geração chegando [...] lembro de mim, lá atrás".
Com "CUTEBOYZ", o artista se reapresenta, trazendo também aspectos sobre os quais Rafa não havia falado antes, como sua transição de gênero - além de novidades sonoras. No EP, que é seu primeiro projeto majoritariamente sem vocais, BADSISTA me conta que seu objetivo foi “falar uma outra língua, não uma de letras e palavras, mas, sim só de sons”.
“A música é doida porque ela dá coisas para a gente que não são palavras", ele afirma: “Minha busca foi essa, fazer um negócio que não é complicado, mas que tem que bater, as pessoas tem que sentir e compreender".
“A pista é como meu termômetro”
Com uma família profundamente musical, além de influências musicais rotineiras, BADSISTA percebeu sua inclinação para a música muito cedo - estudando desde criança. Aos 31 anos, Rafa me conta que “sempre tive uma inteligência muito grande em relação a esse rolê musical”, dizendo que aprendeu a tocar completamente sozinho, até conseguir uma bolsa para estudar produção.

Fotografia por Victor Cazuza
"Sempre fui muito nerd, sempre gostei muito de computador e videogames", ele relata, afirmando que foi juntando esses dois interesses que ele percebeu seu carinho pela música eletrônica - coisa que ele aperfeiçoou quando teve a oportunidade de estudar esse gênero musical formalmente e realmente aprender a usar o computador para criar música.
“Sempre gostei de experimentar, então, descobrir que eu tinha milhões de oportunidades no computador, sozinho, dentro de casa, só de fone, foi perfeito. Acho que veio daí esse rolê de produzir”.
Ao longo dos anos, BADSISTA foi se tornando um dos nomes favoritos primeiro da noite paulista, depois da noite nacional e depois expandindo até para fora do país. Com seu blend único dos ritmos eletrônicos mais tradicionais, como trance, techno, house, com o funk, Rafa construiu seu local na cena musical brasileira - sendo um dos nomes mais conhecidos do underground mundial.
Quando ele foi criar "CUTEBOYZ", BADSISTA já tinha lançado diversos outros EPs, além de seu álbum de estreia "Gueto Elegance, e produzido para nomes de destaque, como Linn da Quebrada e Jup do Bairro. Para testar seu novo som e as experimentações que ele pretendia fazer, ele se virou para a pista, pois, como ele mesmo diz, ela é um “lugar de várias decisões".
“Uso muito a pista como meu termômetro, se eu sinto que tem alguma parte que as pessoas não curtiram, eu volto para casa e mexo nela”.
Dizendo que vê seu trabalho como DJ e como produtor como algo que “fica se retroalimentando", Rafa me conta que, especialmente, duas músicas do EP nasceram para as pistas. "SPDRIP” e "PSYCODELIA” foram ambas criações suas destinadas para fazerem as pessoas dançarem.
"SPDRIP”, a primeira faixa, nasceu para abrir seus sets, inspirada pela música ambiente, evitando usar muita percussão e focando na atmosfera a ser criada. Enquanto isso, "PSYCODELIA” surgiu como um arranjo da clássica "Fullgás”, de Marina Lima, criado para tocar no show da artista, e rearranjado para o Tomorrowland - “tem um samplezinho da voz da Marina lá ainda”.
“Enquanto estou tocando, às vezes me inspiro para produzir, ou às vezes estou de boas e penso em fazer algo novo para tocar, é como se fosse um espaço para eu forjar minhas próprias ferramentas”.
“Se você ficar dez minutos comigo, você já cata”
“Foi um processo que foi convergindo de vários jeitos, tanto isso de dominar esse novo idioma do arranjo, da produção, do computador, para chegar e fazer uma música que não tem palavras, até a minha transição de gênero também", BADSISTA me explica quando pergunto sobre o significado identitário desse projeto.
"CUTEBOYZ” é a primeira vez em que o artista se posiciona e aparece em imagens oficiais como pessoa transmasculina, pós-transição. Nas fotos do EP, Rafa aparece em situações tradicionalmente masculinas, com diversas outras pessoas transmasculinas à sua volta.
“Recolhemos essas coisas que, num consenso geral, são masculinas, são símbolos, mas, colocamos esse questionamento disso ser meu", ele afirma, apontando que as fotos e vídeos feitas na academia, por exemplo, foram uma movimentação sua de “abrir mais portas e janelas”, ressignificando a masculinidade e abraçando pessoas trans neste movimento.

Fotografia por Victor Cazuza
O projeto vai além de pessoas trans, no entanto. Para BADSISTA, "CUTEBOYZ” é uma remodelação da masculinidade para qualquer um que tenha sofrido em baixo dela. “É muito doido a gente tentar ressignificar isso, com o corpo que a gente tem e do jeito que a gente se expressa também. Mas, acho que no fim das contas foi esse o jeito que eu encontrei para comunicar, sabe?”.
Quando o questiono sobre o porquê de expressar-se sobre isso neste projeto, Rafa me fala que isso é algo sobre o qual fala com sua esposa, Thais Regina, que também dirigiu os visuais do EP, há muito tempo. “Se você ficar dez minutos comigo, você já cata", ele brinca, sobre sua identidade, apontando que foi o momento que escolheu para falar sobre porque era algo inevitável.
“Fui criado por travestis praticamente e elas fizeram muito parte desse meu processo, sabe? Especialmente de não ficar fingindo ser outra coisa, mas, também, aprender a esperar - e isso aqui é o que faz mais sentido agora”.
“A gente não é mais desconhecido”
Um dos gêneros mais presentes em "CUTEBOYZ” é o funk - som com o qual BADSISTA tem uma longa história. Crescendo em Itaquera, na zona leste de São Paulo, Rafa conta que o funk era a música da rua, “eu sabia que tal música ia estourar porque ouvia muito na rua, a rua era o grande babado”.
Apreciador de longa data, o artista lembra de ir em festas de funk e, nessas, se apaixonar pelo gênero devido a seu contato com a música eletrônica. “É muito doido como o pessoal do funk é muito receptivo com o psytrance especificamente, com um rolê de rave", afirma BADSISTA, continuando: “Eu gostava muito de música eletrônica e nessas me interessei pelo funk olhando por esse lado, vendo como ele era feito”.

Fotografia por Victor Cazuza
Nos últimos anos, o funk tem tomado conta dos espaços underground e da cena da música eletrônica. Destacando especialmente o funk bruxaria - subgênero originado em São Paulo e caracterizado por suas batidas fortes e produção eletrônica - BADSISTA diz que o funk conta a realidade da cidade e permite um escape para o dia a dia da metrópole.
“Uma cidade cheia de gente, estressante, com trânsito, concreto, as coisas vão borbulhando. Minha sobrinha mais nova que diz: ‘Tem coisas que só uma bruxaria pode te curar’".
Adaptando esse som a seu próprio estilo, BADSISTA encaixa o funk dentro de "CUTEBOYZ", o casando com outros gêneros mais tradicionais da música eletrônica. No EP, Rafa traz essa sonoridade que é inegavelmente brasileira, apontando que o movimento eletrônico no Brasil é um dos que mais toma espaço na cena mundial atualmente.
“Algo que a gente cultiva muito no Brasil é essa coisa de fazer seu próprio bagulho. As pessoas que mais seguem o próprio babado delas, são as que mais conseguem se destacar", afirma o DJ, acrescentando que foi com esse potencial único que o Brasil dominou o mundo.
“Fazemos músicas para a gente tocar porque sabemos que a pista vai adorar e a galera daqui de fora está de olho. A. a gente já não é um zé-ninguém não, nunca fomos, mas, agora não é só um ou dois artistas, mas, é uma cena inteira”.