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Vetor Entrevista: Ivana Wonder

A ‘maravilha’ melancólica da cena drag brasileira. Preparando-se para lançar seu primeiro projeto musical solo, Ivana Wonder abraça a melancolia e seu poder alternativo no décimo ano de carreira como drag queen

Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan


Fotografia por Lucas Cobucci


São Paulo, 14h. Ivana Wonder, nome drag de Victor Ivanon, começou a se montar em 2015 e construiu uma reputação como uma das drag queens, cantoras e artistas visuais de maior destaque no underground. Para começar 2025, sentei com Ivana no final de janeiro, querendo entender tudo, desde a criação dessa persona, até o mais novo projeto dela: seu primeiro EP solo de músicas autorais.


“Acho que ela sempre existiu na minha cabeça, em algum lugar”.


Nascida, oficialmente, há 10 anos, enquanto Victor fazia faculdade de design, Ivanna Wonder, para ela mesma, é algo completamente inato. Quando eu pergunto sobre o momento de criação dessa persona, o primeiro reflexo da artista é apontar: “Acho que ela sempre existiu na minha cabeça, em algum lugar”.


Após uma infância de muita criatividade e talento para a arte visual, Ivana chegou a São Paulo para fazer faculdade - em primeiro momento de engenharia - e foi quando começou a ter contato com a cena noturna e, consequentemente, com a arte drag. Após assistir a muitos shows pelos diversos bairros de São Paulo, Ivana decidiu se montar pela primeira vez e criar sua própria persona.


Fotografia por Lucas Cobucci


Maquiada com traços femininos e uma peruca de cabelo longo, a primeira vez de Ivana não foi algo tradicional - e foi um momento que ditou a trajetória de sua carreira. “Comecei a me montar e comecei a chorar”, ela conta: “Não queria parecer uma mulher, nunca foi sobre isso o babado para mim, queria ser estranha”.


“No fim, me pintei de azul e saí de casa”. Essa perspectiva única e seu olho especial para a estética alternativa, inspirada por figuras como os clubkids, Leigh Bowery e Divine, além de nomes brasileiros, como Danny Cowlt, é algo que acompanha Ivanna até hoje.


Com uma enciclopédia de inspirações visuais e de performance, Ivana Wonder conseguiu construir sua persona drag - no entanto, foi só depois de algum tempo que entendeu que queria também ser artista musical. Munida de referências de música eletrônica após anos na cena clubber de São Paulo, e de um amor pela música melancólica dos anos 50, a drag queen desenvolveu uma sonoridade que é completa e inegavelmente só dela.


“Vocês vão parar e assistir; esse momento agora é nosso”.


Após lançar “Melancholic Blue”, no final de 2024, a artista se prepara para seu primeiro projeto solo, após alguns EPs com a dupla Vermelho Wonder. Afundando em uma musicalidade imersiva e melancólica, Ivana avisa que suas novas faixas vão transportar o ouvinte para um universo só dela: “Vocês vão parar e assistir; esse momento agora é nosso”.


Fotografia por Isadora Arruda


A MARAVILHOSA MÚSICA


Como muitos no Brasil, Ivana descobriu sua paixão pela música na igreja, onde ela passou sua adolescência e seus primeiros anos da vida adulta cantando - “A solista mais jovem da igreja, que linda, esperança do catolicismo”, brinca ela. No entanto, mesmo com esses anos de muita música, a artista nunca havia pensado em viver de música.


Na faculdade, Ivana Wonder entrou primeiro em engenharia, seguindo conselho de seus pais, e mesmo quando decidiu trancar o curso e levar sua vida para outro caminho, a drag queen decidiu por design, nunca por música. 


“A música sempre acontece em algum momento, é inevitável para mim”


Ainda assim, essa paixão não a abandonou, e assim que entrou na universidade, Victor começou uma banda com seus colegas, cantando só “de boy”. “A música sempre acontece em algum momento”, a artista aponta, quando pergunto sobre como manteve sua conexão à música, tendo saído da igreja e estando em outra área: “É inevitável para mim”.


Foram seus amigos que recomendaram que ela se vestisse de drag para cantar, e foi assim que Ivana foi convencida a se montar e se apresentar na FAU, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Fiquei bêbada, me montei no banheiro da faculdade, e fizemos um show”, ela me conta: “Parecia que um raio tinha me atravessado, foi eletrizante, nunca tinha me sentido assim na minha vida”.


Essa performance marcou o início de sua carreira como drag cantora, em 2015. Depois disso, Ivana foi aos poucos encantando produtores e organizadores de eventos, fechando mais e mais performances como cantora e, dessa maneira, se solidificando como uma persona marcante na noite paulistana.


Foi nesse primeiro momento, inclusive, que Ivana foi convidada para integrar a Vermelho Wonder, sua dupla com o produtor Márcio Vermelho, em 2016. O duo foi onde a artista compôs suas primeiras letras autorais.


Fotografia por Gabriela Schmidt


“Nunca tinha parado para escrever música, sempre cantei, sempre fui intérprete. Quando eu e o Márcio nos encontramos pela primeira vez, ninguém sabia muito o que fazer, ele me deixou na sala do apê dele, falou que era para me deixar mais tranquila, fiquei sozinha com a base tocando em loop - e foi ali que comecei a escrever, relata a artista.



Com faixas enraizadas na música eletrônica, uma sonoridade diferente de sua música solo, a Vermelho Wonder foi aos poucos tomando seu espaço na cena. Ivana lembra de uma performance que a dupla fez na festa ODD, às 11 da manhã - “um horário horrível” - e ela afirma que o público, mesmo nessa hora, ficou encantado pelo que os dois estavam criando, entrando em transe com eles.


Fotografia por Gabriela Schmidt


Além da sua presença na música eletrônica, Ivana sempre foi apaixonada pela melancolia e dramaticidade das músicas brasileiras dos anos 50, “Sempre gostei de ouvir as músicas com as minhas avós, de ouvir cantoras antigas, sempre fui dramático, melancólico”. E quando, em 2018, foi convidada a trabalhar em um projeto musical solo, foi nesse caminho que ela decidiu seguir - lançando uma regravação de “De Cigarro em Cigarro”, música de Nora Ney, lançada originalmente em 1953.


“Nunca me deixam em uma zona de conforto, estou sempre em movimento”.


Abraçando esses dois projetos, Ivana se encontrou nesta carreira musical dupla, mostrando dois lados de sua personalidade e um leque amplo de sua habilidade como performer e artista, como a mesma diz: “Nunca me deixam em uma zona de conforto, eu estou sempre em movimento”.


O MARAVILHOSO FUTURO


Com a pandemia de Covid-19, Ivana se voltou à composição e à expansão de suas habilidades técnicas, aprendendo a escrever melodias e inclusive a tocar piano. No entanto, devido aos impactos financeiros, a artista foi forçada a dar uma pausa em sua carreira musical durante alguns anos - o que levou ao seu segundo lançamento somente vir seis anos depois de sua estreia com “De Cigarro em Cigarro”.


Ivana Wonder retornou, como artista solo, com o seu maior hit até hoje “Melancholic Blue” em 2024, mas, ela me conta que essa faixa quase não saiu. De acordo com ela, foi seu marido que a convenceu de que essa música deveria marcar seu retorno.


Fotografia por Isadora Arruda


Após algumas dificuldades financeiras, a drag queen, morando na Argentina, estava quase desistindo de sua carreira como artista musical, mas, um amigo a deu algum dinheiro “para eu nunca desistir dos meus sonhos” - e foi nesse momento que, “o Lucas, meu marido, falou ‘Você vai pegar essa grana e lançar ‘Melancholic Blue’”.


“Eu sabia que era a hora de apostar as minhas fichas e apostei todas”.


Aceitando o desafio, Ivana retrabalhou a música inteira junto ao produtor Fabio Pinczowski e compôs uma versão completamente nova em português. “Eu sabia que era a hora de apostar as minhas fichas e apostei todas”, ela conta, e deu certo, após alguns meses de lançamento, a faixa explodiu no TikTok, resultando em mais de 500 mil streams.


Esse sucesso não poderia vir em um momento mais oportuno, inclusive, já que a artista está se preparando para lançar seu EP de lançamento, que deve contar com mais quatro faixas além de “Melancholic Blue”. “Deve sair no final do primeiro semestre, para também não perder meus fãs do TikTok, que são loucas por novas músicas”, ela brinca.


“Acho que a melancolia está voltando, você sente isso também?”.


Fotografia por Isadora Arruda


“Sinto que as pessoas querem ouvir mais músicas tristes”, Ivana Wonder explica quando eu pergunto a inspiração por trás de seu primeiro EP. Contando que tem recebido muitos comentários de pessoas que se identificam com a letra de “Melancholic Blue”, a artista destaca a importância que esse sentimento tem para ela: “Acho que a melancolia está voltando, você sente isso também? Todo mundo fica triste, melancólico, com raiva, enfim, então cantar sobre essas coisas faz muito sentido”.


Esse sentimento de comunidade que Ivana sente em volta de suas músicas é algo muito importante para ela, que reconhece a mesma sensação em seu berço como artista: o underground. Apontando que esse sempre foi “onde as pessoas me abraçam, me acolhem e estão dispostas a ouvir o que eu quero dizer”, a drag queen afirma que essa abertura e disponibilidade é o que ela busca dentre as pessoas que ouvem suas músicas.


Me contando sobre uma experiência com o Vermelho Wonder (que também está produzindo seu primeiro álbum!) fora do underground, a artista relata que o público todo virou as costas e foi embora, indo para outro palco quando ela entrou, o que só destacou a diferença entre os ambientes: “Nem me deram a gentileza de ver o que eu tenho para oferecer”.


Entendendo a si mesma como artista alternativa, a drag queen vê o underground como seu berço, mas, mantém os olhos em públicos cada vez maiores, dedicando-se a expandir o paladar de quem ela encontra e provar, de uma vez por todas, a importância de “abraçar as estranhas, no fim das contas”.

 
 
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